Por Gustavo Vettorato
Na academia, diz-se que o Direito faz suas próprias realidades, quanto aos efeitos das normas legais no tempo, pois, ao contrário do mundo real, elas podem ser aplicadas aos fatos passados. Não quer dizer ausência de limites temporais, pois há regras no próprio Direto para limitar o descontrole.
Em verdade, essa máquina do tempo operou no dia 16.06.2010, com a publicação da Lei n. 12.254/2010. Ela reajustou os benefícios da Previdência Social, em 7,72%, retroativamente a 1.01.2010. Isso, após muita discussão sobre o aumento dos custos da Seguridade Social, inclusive quanto aos recursos em caixa para cobrir o compromisso. Discutida, aprovada e sancionada a lei, todos os ânimos foram acalmados.
Entretanto, a surpresa está no art. 2º dessa lei: o aumento do limite máximo do salário de contribuição, que é aquela parte da remuneração sobre a qual recaem as contribuições previdenciárias, saindo do valor de R$ 3.218,90 para R$ 3.467,40, o que aumentou os valores a serem recolhidos aos cofres públicos. O aumento não espanta em si, trata-se de mera correção monetária. O espanto é a aplicação retroativa desse reajuste a partir de 1.01.2010. Ao que se vê, todos empregadores deverão refazer suas folhas de pagamento desde 1.01.2010 e recolher a diferença à maior das contribuições previdenciárias. Clara confusão administrativa e financeira dos empregadores.
Pelo menos, o Direito tem regras que evitam o retorno desenfreado, de forma a evitar a insegurança jurídica e grandes surpresas. Sem entrar em grandes debates, se considerado o reajuste apenas como atualização monetária, dispensar-se-ia a obediência à norma que veda a aplicação de aumento de contribuições sociais antes de 90 dias após a publicação da lei que a aumentou (art. 195, §6º, da CF/1998), mas restaria a obediência a outro princípio: o da irretroatividade da lei quando venha prejudicar o cidadão. Esse princípio é uma norma superior geral disseminada, tanto na Constituição Federal (art.5º e 150,I ), quanto no resto da legislação e, no caso do Código Tributário Nacional, está nos art. 97, 106, e no146. Ou seja, mesmo que fosse alteração da norma tributária ou de sua interpretação, em caso de prejuízo ao contribuinte, a sua aplicação só é legal aos fatos futuros posteriores à publicação.
Assim, os efeitos retroativos do aumento do limite do salário contribuição para fins de cobrança são, no mínimo, questionáveis, mas cumpre ao contribuinte tentar judicialmente frear a máquina do tempo da legislação tributária.